Cultura

Os bastidores da cena de sexo mais complicada do cinema

"A única vez que K, sendo um Blade Runner, é tocado, é com violência", explica Denis Villeneuve, diretor de Blade Runner 2049. "Ele nunca teve carinho de verdade, não pode estar em contato com seres humanos reais porque eles não gostam de Replicantes. E outros Replicantes não gostam de Blade Runners porque eles estão matando sua própria espécie."

"Então ele está sozinho e a única criatura que ele pode ter um relacionamento é com Joi, mas não pode ter contato físico, então é algo muito limitado. Na verdade, é um relacionamento estranho e profundo, mas não é completo." No entanto, na metade do filme, Villeneuve e os roteiristas Hampton Fancher e Michael Green, encontraram uma maneira de K (Ryan Gosling) completar seu relacionamento com Joi (Ana de Armas).

Joi, sua namorada holográfica de inteligência artificial, conta com a ajuda da Replicante Mariette (Mackenzie Davis) para servir como um corpo substituto, em torno do qual Joi envolve sua imagem. A cena, chamada pelos criadores de "Merge", é igualmente linda e misteriosa, ao mesmo tempo que representa a mensagem principal da franquia sobre o que é (ou não) ser humano.

De acordo com Villeneuve, essa também é provavelmente a cena de sexo mais complicada de ser filmada na história do cinema, com o trabalho envolvido durando um ano. Ao contrário de efeitos especiais tradicionais (e mais explosivos), o objetivo deste momento não é desviar os olhos dos espectadores para longe dos atores, mas sim manter a atenção totalmente neles.

"Era importante para mim colocar os atores no centro do processo", explica o diretor, "para que fosse possível encontrar todos os pequenos elementos que desejava na cena: que entendemos como K se sentiria durante aquele momento estranho, como Joi sente pela primeira vez como uma verdadeira amante e como Mariette é uma espécie de vítima colateral desse amor".

Para captar todas essas emoções, o único e principal trabalho de CGI foi em unir as imagens das duas atrizes até esse ponto, incrivelmente, é um efeito prático. Criado sem o uso de fundo verde ou captura de movimento, o set contou com quatro câmeras extras, que posteriormente foram usadas para representar a sala e os atores dentro dela como um modelo 3D.

"Essa nunca foi uma cena em que íamos filmar performances com pontos longe do set principal", explica Paul Lambert, supervisor de efeitos visuais (VFX). "Isso permitiu que os atores trabalhassem sem ter que se preocupar com o aspecto dos VFX. Essa foi a chave para manter a intimidade da cena." O momento foi executado com Armas e Devis, cada uma escolhendo qual dos seus dois personagens iria liderar os movimentos da unificação à medida que a cena avançava. Liderar foi a parte fácil.

Segundo Villeneuve, "a segunda atriz chegava e fazia os mesmos movimentos de novo, precisamente, mantendo seu próprio arco emocionam em toda a cena". A precisão é surpreendente não totalmente, até porque é possível perceber que a segunda atriz, em alguns momentos, não estava tentando recriar os movimentos da outra, mas foi o suficiente para criar um efeito realista de uma mulher conduzindo outra.

Modelos 3D para ambas as atrizes foram criados, usando as filmagens de várias câmeras, permitindo que as façanhas visuais mais complexas fossem realizadas e pequenos ajustes de movimento serem feitos mas Villeneuve foi inflexível que a cena fosse "uma fusão entre fotografia real e CGI".

Isso decorre das primeiras ideias sobre como Joi deveria ser apresentada. Lambert diz que a visão sobre o holograma não foi finalizada até uma semana antes das filmagens: "Fizemos muitos testes antecipados, incluindo partículas, wireframes, fumaça e até uma versão de vidro. Denis não gostou nem um pouco da aparência destas versões".

O modelo final, um modelo fotorrealista feito por meio da translucidez e efeitos de falhas, permitiu que a cena de amor entre Joi e K alcançasse o efeito que Villeneuve queria:

"Queria que não fosse sobre o visual, mas muito mais sobre a emoção que os personagens estavam encarando, teria que ser algo poderoso e significativo. Queria que ela tivesse uma espécie de qualidade analógica que poderia ser um processo fotográfico, não como Star Wars, mas digital e o mais orgânico possível."

De acordo com Lambert, há um motivo profundo para tudo isso e está ligado a tradição do mundo de Blade Runner: "A revolução digital nunca aconteceu no universo de Blade Runner 2049. As tecnologias analógicas continuaram a avançar, a ideia de pixels, compressão digital, LCD, esse tipo de coisa nunca surgiu. Para a fusão, baseamos a visão na simples ideia de uma exposição fotográfica tradicional, mas com a complexidade de poder alternar criativamente a transparência em um espaço tridimensional."

A exposição dupla é uma técnica fotográfica que permite que uma imagem seja sobreposta a outra no mesmo filme, criando uma nova imagem no processo. "E dessa dupla exposição", acrescenta Villeneuve, "da fusão de ambas as mulheres aparecerá uma terceira mulher, um terceiro ser. E esse ser será muito erótico, atraente e assustador porque é uma espécie de monstro, sabe?".

Efeitos são frequentemente usados para criar paisagens impossíveis ou momentos de ação, mas o que vemos em Blade Runner 2049 é completamente diferente. "Diria que a cena de fusão é única", concorda Lambert. "Não queríamos que nenhuma filmagem fosse algo com efeitos óbvios. Para os espectadores dizerem que a cena foi íntima, significa que conseguimos conquistar nosso objetivo."

E quanto a Villeneuve? A dupla filmagem, a falta de atalhos digitais, o vai e volta dos efeitos especiais, tudo para apenas cinco minutos de duração no filme. Criar a cena de sexo mais complicada vale a pena o esforço? O diretor ri e apenas diz: "Estou muito orgulhoso disso".

Fonte: Ign