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CPI da Covid: Depois da overdose de cloroquina, um espetáculo de fake news

Foto: Dida Sampaio/EstadãoO deputado Osmar Terra durante depoimento à CPI da Covid.
O deputado Osmar Terra durante depoimento à CPI da Covid.

O deputado federal Osmar Terra, convidado da CPI desta terça-feira, lançou nos anos 1990 o livro de autoajuda Entenda Melhor suas Emoções, no qual apresentava: “é entendendo melhor o funcionamento dos programas mais profundos de nossa mente que podemos diminuir as nossas culpas e resolvê-las de forma mais adequada.”

O ex-ministro da Cidadania no governo Bolsonaro, postulante tantas vezes preterido para a pasta da Saúde, não carrega culpa alguma por ter adotado a cartilha do negacionismo radical. Nem se arrepende de suas tranquilizadoras profecias que afastavam a gravidade da epidemia que viria varrer o país.

Se “a política infectou a ciência”, como foi dito na CPI, estávamos diante de uma variante. No lugar do médico comprometido, por ética de ofício, com os métodos disponíveis da ciência na busca da cura e da reabilitação, assumiu o parlamentar com direito de opinião.

Osmar Terra foi presidente do Conass, o importante conselho que representa os secretários estaduais de saúde. Nos anais do Congresso Nacional está registrado seu discurso, de 12 de setembro de 2007, quando apresentou-se como liderança a favor de maior financiamento da saúde pública. Implorou , naquele dia , a aplicação do mínimo de 10% da receita corrente bruta da União para o SUS, combinada com a manutenção da CPMF, cobrança que incidia sobre movimentações bancárias, destinada à Saúde, e que vigorou no Brasil de 1997 a 2007. Segundo Terra, seria “um casamento importante para o bem da população brasileira”.

O ferrenho defensor do SUS, redentor das vidas e da solidariedade, tornou-se, à frente do Ministério da Cidadania, paladino da punição para pessoas com drogadição. Agora é apontado por senadores como “chefe do gabinete paralelo”, nome dado por integrantes da CPI ao conjunto de pessoas de intencionalidades compartilhadas com o presidente nas respostas à pandemia.

Mais uma vez, no Senado , deu-se a exibição de vídeos que não causam mais nenhum constrangimento a seus protagonistas e a tolerância com falas e números desconectados de argumentos ou evidências.

Pela incapacidade de interromper quem o produz, a CPI patrocinou espetáculo de fake news.  Nem maneirismos nem vaidades de senadores, preocupados em recuperar audiência e confiança do público, explicam a reiteração.

Depois da overdose de cloroquina, que chegou a causar excesso de sonolência aos seguidores, está mais do que demonstrada pela comissão de inquérito a dimensão das forças obscuras que auxiliam Bolsonaro.

A ineficácia da vacina, a inutilidade do isolamento, a imunidade coletiva sem importância de vidas perdidas, a sentença de que a economia em frangalhos mata mais que o vírus, todas essas insanidades compõem não um “gabinete”, mas uma política única e oficial de governo, que nada tem de paralela.

Nos países que o adotam, o gabinete paralelo ou “sombra” é um instrumento formal de atuação de partidos de oposição aos governos instalados. Na geometria, linhas paralelas são duas retas que não se encontram. Pois convergiram, na CPI, ex-ministros e gente que frequenta a corte. Suspeita-se que alguns, que passaram a ser investigados, tenham as mãos sujas de terra e de cinzas de 500 mil mortos.

Nesta semana, a CPI finalmente pautou sessão dedicada à produção científica nacional sobre o excesso de mortes por Covid no Brasil. Uma grande parte dos óbitos ocorreu devido à ausência de medidas não farmacológicas intensas e duradouras para barrar a propagação do vírus. Contribuíram a insuficiência de ações de vigilância de casos, contatos e testagem da população, assim como as falhas e a má qualidade do atendimento em hospitais, UTIs e serviços de saúde. O atraso na aquisição de vacinas e a lentidão na vacinação já responde por outra parte de mortes evitáveis.

Sessões modorrentas poderão entrar em ritmo mais adequado, caso o púlpito da CPI seja ocupado por temas e propostas que garantam, mais adiante, a responsabilização e, imediatamente, a cobertura vacinal, a redução da transmissão e a queda drástica das mortes.

Fonte: Estadão

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