Gente Eficiente

Consumir também é um direito da pessoa com deficiência

Dia desses precisava cortar o meu cabelo e resolvi em uma brecha entre agendas procurar um salão nos arredores do meu escritório, no centro de São Paulo. Passei por vários estabelecimentos da região e não encontrei um lugar onde não houvesse degraus na entrada. Depois de um tempo cadeirando, acabei achando um salão escondidinho. A entrada não era acessível, mas consegui chegar depois de quase quebrar o vidro da porta. O que era algo corriqueiro virou uma aventura.

Simples para muita gente, o e-comerce é outra modalidade de consumo que dificulta demais a vida de uma pessoa com deficiência. Um estudo inédito do movimento Web para Todos e do consórcio W3C analisou os 15 sites de e-commerce mais acessados do Brasil e mostrou resultados que apontam para a total precariedade em termos de acessibilidade na web.

 

De acordo com a pesquisa, em 28% dos testes, as pessoas com deficiência não conseguiram concluir o processo de compra por um problema antes ou durante a finalização do pedido. As barreiras estão na hora de completar o cadastro até o momento de adicionar produtos ao carrinho.

O estudo também verificou que, entre as pessoas que concluíram uma compra, 67% não conseguiram cancelar o pedido. E 30% sequer alcançaram essa etapa. Ou seja, as pessoas com deficiência não conseguem comprar, mas caso consigam, elas sequer têm o direito ao arrependimento da compra. O que também está previsto em nossa legislação, de acordo com o Decreto de Comércio Eletrônico.

A mesma barreira existe nos canais de compra na TV, que muitas vezes anunciam um determinado produto, mas informam o número para a compra apenas por escrito. Um formato de venda nada acessível para o consumidor com deficiência visual.

Fato é que, além de brigar por seus direitos, o cidadão com deficiência quer hoje poder escolher, entre outras coisas, o que vestir, o que assistir, aonde ir, como comprar… O que fará esse consumidor tornar-se cliente de um lugar é o cuidado que o estabelecimento tem com relação à acessibilidade. Isso vale para lojas físicas e virtuais.

Ninguém quer ser carregado em um avião escada abaixo por não ter finger ou ambulif para desembarcar, ninguém quer ser impedido de entrar em uma loja por conta de degraus – ou mesmo entrar, não conseguir circular por conta das araras que impedem a circulação de um cadeirante.

As pessoas querem conseguir assistir a um show no local onde elas escolheram, querem assistir um espetáculo com acessibilidade em seu conteúdo, querem ou frequentar um determinado bar com banheiro que ela consiga chegar. Não é a pessoa com deficiência que deve se abster de consumir, mas os estabelecimentos que devem se adequar.

Um exemplo simples do que estamos falando está nas lojas de roupas, por exemplo, que devem oferecer provadores mais espaçosos que comportem facilmente uma cadeira de rodas ou mesmo uma pessoa obesa. Quando fui vereadora de São Paulo fiz um projeto de lei preconizando a acessibilidade nos provadores das lojas da capital paulista.

O mesmo vale para as prateleiras que precisam ser acessíveis para um cliente anão ou um cadeirante.

Não podemos esquecer das praças de alimentação, que devem estar em locais de fácil localização e oferecer mesas acessíveis, mapas táteis e elevadores próximos. Sem falar que todos esses espaços precisam ter sinalização tátil para que as pessoas cegas circulem com autonomia e segurança. Vale lembrar que tudo isso deve acontecer de forma integrada: oferecer acessibilidade não é criar áreas exclusivas para pessoas com deficiência, mas sim ambientes que atendam de fato a todos.

Na Lei Brasileira de Inclusão, relatada por mim na Câmara dos Deputados e em vigor há dois anos, além de reforçamos esses direitos, alteramos também dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, garantindo às pessoas com deficiência direitos como o acesso à leitura de todo o cidadão cego, além de acessibilidade em materiais didáticos de cursos como informática e idiomas.

Agora as editoras de livros devem ofertar todos os seus títulos também em formato acessível. A LBI traz bem claro em sua redação que as editoras não podem, sob nenhum argumento, negar essa oferta.

Lembrando ainda que, ao venderem seus títulos acessíveis pelo site, o canal de venda deve ter acessibilidade para que o consumidor com deficiência visual possa comprar seu livro com autonomia. É muito frequente as editoras oferecerem seus títulos acessíveis em sites repletos de barreiras. É o mesmo que um estabelecimento contar com um banheiro acessível que fica no segundo andar onde só se acessa por meio de escadas.

A LBI ainda pensou no poder de escolha do público com deficiência em espaços como cinemas, teatros e casas de espetáculos, que deverão oferecer locais acessíveis em todo o estabelecimento, não só em áreas segregadas.

Também vale enfatizar que a LBI alterou o Código de Trânsito, permitindo que as autoridades possam fiscalizar as edificações públicas ou privadas de uso coletivo, como shoppings, supermercados e hospitais, onde as vagas de estacionamento reservadas para idosos e pessoas com deficiência habitualmente são desrespeitadas.

Lembro ainda que a instituição do Código de Defesa do Consumidor tem 28 anos, no entanto ainda não aprendemos a lidar com as pessoas e suas diferentes necessidades. As pessoas com deficiência movimentam a economia como qualquer outra parcela da população. Trata-se de um público com poder de consumo em potencial e que gosta, inclusive, de comprar, se divertir e ser bem tratado.

Por fim, deixo registrada aqui uma reflexão aos estabelecimentos e as empresas: invistam em acessibilidade! Além de estarem cumprindo a legislação, estarão fidelizando um público que terá motivos para voltar e consumir novamente o seu serviço. Atender bem é atender a todos.

*Deputada federal (PSDB-SP), publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da capital paulista e vereadora por São Paulo. Em 1997, após sofrer um acidente de carro que a deixou tetraplégica, fundou uma ONG para apoiar o paradesporto, fomentar pesquisas cientificas e promover a inclusão social em comunidades carentes

Fonte: Estadão