Dr. Valrian Feitosa

Sebastião Silva Neto-Piripiri/PI
Sebastião Silva Neto, é Jornalista - Registro DRT de Nº 0002001/PI, profissional da área da comunicação, assessoria e publicidade. Colaborador do Portal RG.com.br da cidade de Piripiri,e municípios vizinhos

Descance em Paz "Assassin’s Creed"

Fonte:MSN Jogos

Fotos:MSN Jogos

Foi durante um dos Quick Time Events que aparecem na caça aos alces. Percebi, de repente, no meio daquela paródia mal-feita de Red Dead Redemption, que não estava jogando Assassin’s Creed. O nome na caixa do jogo estava certo, mas ele me parecia mais uma coletânea de mecânicas experimentais do que uma aventura na história com teorias da conspiração, assassinos e templários. Finalmente, a série havia sido esmagada pelo peso de seus excessos.

Jogo após jogo, somos soterrados por horas e horas de conteúdo extra que não tornam Assassin’s Creed mais completo, mais relevante ou interessante. Pelo contrário. Conforme digerimos esses excessos, dá para notar justamente uma incapacidade da série em se focar nas suas bases enquanto tenta ser, sem sucesso, um pouco de tudo. E a anualização, no melhor estilo Call of Duty, não ajudou em nada.

O quinto game da série é onde todos esses problemas culminam. O que deveria ser uma experiência divertida de esfaquear figuras históricas virou um Frankenstein mal formado de mecânicas inúteis missões irrelevantes e colecionismo sem graça. Assassin’s Creed III é qualquer coisa, menos o que queremos de um Assassin’s Creed.

Para fazer tudo o que Assassin’s Creed III oferece, levei quase 50 horas. São 2 dias inteiros de jogo, 25 longa-metragens em sequencia, toda a discografia dos Beatles tocando em repetição algumas dezenas de vezes. Muito pouco desse conteúdo é realmente Assassin’s Creed. Tirando todos os “extras”, o que sobra é uma campanha de cerca de 10 horas – o que parece ser perfeitamente razoável para a maioria dos jogos, mas não neste caso.

É verdade que a série vem inchando com conteúdo desnecessário desde Brotherhood – uma provável reação da Ubisoft às críticas de que os primeiros episódios da franquia eram repetitivos demais. Mas esse conteúdo opcional nunca foi tão intrusivo quando em AC III. Você é obrigado a encarar uma dezena de missões didáticas que explicam desde como caçar e velejar, até os benefícios de ajudar artesãos e administrar finanças… antes mesmo de sequer encarar a primeira missão de assassinato. Por horas e horas você é tudo: pirata, carteiro, caçador e prefeito. Tudo, menos Assassino.

Isso poderia não ser tão ruim caso as novidades adicionassem alguma coisa significativa à formula da série, mas a grande maioria delas sequer fazem sentido no contexto de um jogo que deveria ser sobre assassinatos e exploração histórica. Um exemplo é a campanha naval: por mais incrível e bem feita que ela esteja , por mais divertido e emocionante que seja participar de batalhas em alto mar, ela poderia ser muito melhor como um jogo independente (Sid Meier’s Pirates II, imagina?) do que como um enxerto em Assassin’s Creed – status que a torna tão relevante quanto o maldito Tower Defense de Revelations.

E assim, no alto de suas 40 horas de irrelevância, fica difícil encontrar em AC III o que tornou a série tão popular ao longo dos anos. Ainda estão lá os saltos estratosféricos, os assassinatos elegantes no meio da multidão e a exploração de lugares históricos em busca de mensagens misteriosas e objetos místicos. É uma pena que esses elementos básicos (e tão bons) para a experiência de Creed recebam menos importância do que mini-games de caçar alces com Quick Time Events.

Do começo ao fim, Assassin’s Creed III é um jogo desprovido de identidade e emoção. Esse problema também está ligado aos excessos e à falta de foco do jogo, mas a maior responsável é sua trama improvisada e seu protagonista sem carisma.

Desde o começo, a série claramente não tinha conteúdo para uma saga de cinco jogos, e o fim da jornada de Desmond sofre muito com isso. O que dita o ritmo da trama agora não é mais a personalidade e motivações de nossos heróis do passado, e sim a caça ao tesouro pré-apocalíptica do personagem da era atual e sua trupe: eles estão procurando um amuleto perdido no tempo para evitar seja lá o que vai acontecer em 21/12/2012. Mas com um foco tão pesado na era atual, o jogo não se segura tão bem no malabarismo entre os dois heróis.

Connor, o herói do passado, surge muito tarde no andamento do jogo (você começa com Hayden, um inglês e, só cinco horas depois, assume o capuz branco) e quando surge faz muito pouco para cativar. A atitude arrogante dele exalta ainda mais a falta de clareza em todas as suas motivações: eu sempre sei o que estou fazendo no Animus como Desmond, mas nunca tenho certeza de quem sou ou o que estou fazendo na Boston do século 18. Pirata, carteiro, prefeito, agente da revolução e jogador de bocha. Nunca Assassino.

Ezio entra para a Ordem porque seu pai e irmãos foram enforcados injustamente pelos Templários. Connor se torna Assassino porque uma bola de cristal mandou. Isso resume bem a diferença entre personalidade dos dois heróis, e porque um é tão vastamente superior que o outro. As motivações de Ezio são pessoais e legítimas, e ele é o autor de seu próprio destino. Connor apenas segue, em meio de fantasias e ideais, as ordens de outras pessoas.

Entre sua personalidade rala e o engrandencimento do papel de Desmond – que pela primeira vez parece ser protagonista do jogo – o indiozinho da revolução fica parecendo apenas o vetor de uma teoria da conspiração muito maior de que ele. Em outra palavras, um tapa buracos no caminho da salvação da humanidade – algo que nem Ezio nem Altair foram durante as suas sagas.

Assassin’s Creed foi, por muito tempo, uma das minhas séries favoritas. Admirava a maneira como o jogo misturava tramas reais do passado com uma teoria da conspiração milenar. Adorava vivenciar grandes momentos da história da humanidade enquanto esfaqueava alguns dos piores seres humanos que já existiram.

Mas o quinto episódio não tem quase nada do que tornou a série tão atraente. Ele é apenas mais um capítulo de uma novela que não parece ter mais fim,com mais algumas dezenas de mecânicas inúteis em um jogo que só precisava de uma lâmina escondida e alguns palheiros para nos fazer feliz.

Infelizmente, como tantas outras boas séries dos últimos tempos, esta não suportou as exigências de um mercado cada vez mais megalomaníaco. A série já mostrava sinais de desgaste desde Revelations, mas é em AC III que ela despenca sob o peso de uma anualização para a qual nem sua trama nem suas mecânicas estavam preparadas.

É claro, teremos um novo Assassin’s Creed. E um outro, depois desse, até que as vendas da franquia diminuam o bastante para justificar um final definitivo. Mas se a Ubisoft continuar tentando inflar a franquia com um recheio sem sentido e sem graça, podemos dizer que a série morreu em Revelations - junto com Ezio e Altair, dois verdadeiros Assassinos. Requiescat in pace, Assassin’s Creed.