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Transição energética gera euforia em MG e apreensão no RS

Foto: Danilo Verpa/FolhapressVista de drone da Usina Termelétrica Presidente Médici Candiota III Eletrobras CGT ELETROSUL.
Vista de drone da Usina Termelétrica Presidente Médici Candiota III Eletrobras CGT ELETROSUL.

As diferenças entre as cidades de Janaúba, no norte de Minas Gerais, e Candiota, no sul do Rio Grande do Sul, vão hoje bem além do clima e dos sotaques de cada região brasileira. Separadas por cerca de 2.700 quilômetros, as duas vivem expectativas bem distintas sobre o futuro.

A primeira é um dos principais focos de investimento em energia solar no país e convive hoje com milhares de trabalhadores egressos de outras partes do país, que lotam hotéis e restaurantes, movimentando a economia local e gerando emprego e renda.

Conhecida como a capital nacional do carvão, a segunda vive um clima de incerteza diante das pressões cada vez maiores pela redução das emissões de gases do efeito estufa pelo setor de energia.

A reportagem visitou as duas cidades entre o fim de novembro e o início de dezembro para entender os efeitos locais da transição energética, acelerada nos últimos anos com o barateamento das fontes renováveis e os alertas sobre os riscos das mudanças climáticas.

Com as obras, primeiro de subestações de transmissão de energia e depois de usinas, Janaúba viu seu PIB ultrapassar a casa de R$ 1 bilhão em 2016. Em 2019, a riqueza gerada no município chegou a R$ 1,3 bilhão, mais de 2,5 vezes o registrado em 2010.

Candiota, por outro lado, sofreu um baque em meados da década passada, com o fechamento de duas máquinas geradoras da térmica a carvão Candiota 2 e, apesar de recuperação recente com a inauguração de uma nova usina, atingiu em 2019 um PIB semelhante ao que tinha em 2010.

Impulsionada pela queda no preço dos painéis e por subsídios rateados pelos consumidores de eletricidade, a potência de usinas solares no país decuplicou em cinco anos. Também subsidiado, o carvão perdeu capacidade com o fechamento de três unidades geradoras.

Para especialistas, a tendência é que a diferença entre os dois mercados se acentue nos próximos anos. Projeções da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) apontam que o Brasil ganhará novos 5,4 GW (gigawatts) em energia solar até 2030, enquanto a capacidade de geração a carvão será reduzida.

A indústria de carvão reclama que o fim dos subsídios à compra do combustível, que custaram R$ 750 milhões em 2021, fechará unidades existentes ao fim dos contratos de venda de energia e inviabiliza três novos projetos com investimentos previstos em cerca de R$ 20 bilhões.

O apoio é rateado por todos os consumidores de energia no país por meio de um encargo setorial que será extinto em 2027. Para 2022, a cifra deve superar R$ 900 milhões.

O setor defende uma "transição energética justa", que manteria as usinas atuais em funcionamento até a viabilização de novas tecnologias para a redução das emissões e para outros usos do carvão, como a produção de combustíveis e fertilizantes.

Alega ainda que a geração a carvão é barata e tem peso ainda pequeno na matriz energética e no volume de emissões do país. E defende que novas tecnologias de redução da poluição e captura de carbono começam a se mostrar viáveis no mundo.

Mas admite que será cada vez mais difícil financiar novos projetos. "A discussão sobre financiamento é problema crucial para indústria do carvão", diz o presidente da ABCM (Associação Brasileira de Carvão Mineral), Fernando Luiz Zancan.

Alegando que é importante preservar a economia de cidades dependentes do carvão na região Sul, o governo federal lançou em agosto um programa para desenvolver usos sustentáveis para o combustível, mas nem o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) quer financiar mais o setor.

A saída do banco desse mercado, anunciada em julho, segue exemplo de Europa e China, que restringiram o apoio ao combustível. "Os fundos de investimento estão fechando seus portfólios a carvão", acrescenta o coordenador do Portfólio de Energia do ICS (Instituto Clima e Sociedade), Roberto Kishinami

O ex-presidente da EPE Maurício Tolmasquim diz não ver sentido em manter subsídios a energias fósseis, principalmente depois que o relatório da COP26 pediu o fim dos programas de apoio a fontes mais poluentes e deu início à implantação do mercado de carbono.

"Em países que têm quantidade de carvão muito grande, com usinas relativamente novas, o custo de desligar seria maior", diz. "Mas, no Brasil, estamos falando em térmicas antigas, ineficientes e com a vida útil acabando. Não tem sentido ficar prorrogando isso."

Fonte: Folha