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PGR pede arquivamento em série de investigações que atingem Bolsonaro; Supremo dá protagonismo à PF

Foto: Gabriela Biló/EstadãoAlém de inquéritos que investigam ações durante seu tempo na Presidência, Bolsonaro também voltará a responder por ações penais de quando era deputado federal, como as de injúria e incitação ao crime
Além de inquéritos que investigam ações durante seu tempo na Presidência, Bolsonaro também voltará a responder por ações penais de quando era deputado federal, como as de injúria e incitação ao crime.

Antes de Jair Bolsonaro (PL) deixar o Palácio do Planalto e perder o foro privilegiado, a Procuradoria-Geral da República apresentou novos pedidos de arquivamento de investigações criminais que envolvem o presidente da República. Desde setembro, nas vésperas do primeiro turno, a PGR solicitou dez arquivamentos de inquéritos e pedidos de investigação que envolvem Bolsonaro. Em pelo menos cinco destes inquéritos relacionados ao relatório final da CPI da Covid, as solicitações foram negadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em três deles, a Corte deu à Polícia Federal o protagonismo de parte das investigações.

Nos autos dos processos, senadores da CPI da Covid e uma associação de vítimas da pandemia têm rebatido a PGR e apelado à Corte para que não enterre os inquéritos. Parte dos procedimentos nem sequer virou inquérito formal e o Ministério Público não chegou a promover diligências mais aprofundadas.

Na prática, se estas investigações não forem encerradas até o último dia de dezembro, serão enviadas pelo STF ao MPF em primeira instância. Nas mãos de outros procuradores - que podem ter entendimentos diferentes dos do procurador-geral da República, Augusto Aras -, os procedimentos poderão ser continuados ou arquivados.

Após mais de 100 dias da CPI da Covid, a PGR solicitou ao Supremo ao menos uma dezena de investigações preliminares sobre a atuação de Bolsonaro, ministros e aliados com base no relatório final do colegiado. Em pelo menos nove apurações foi requerido o arquivamento.

Em três inquéritos, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou os pedidos da PGR pelo arquivamento, assinados pela vice-procuradora-geral Lindôra Araújo. Nestes procedimentos, Bolsonaro é investigado pelos crimes de emprego irregular de verba pública, charlatanismo, e prevaricação durante a pandemia. Trata-se de crimes que, se somados, alcançam dois anos e três meses de prisão.

Por meio da advocacia do Senado, a cúpula da CPI da Covid rebateu os pedidos da PGR e afirmou que Lindôra chega a “minimizar” as imputações feitas aos implicados no relatório da comissão “até mais do que as próprias defesas dos investigados”. Os senadores solicitaram que as investigações fossem encaminhadas à Polícia Federal.

Ao acolher o pedido da CPI, a presidente do STF justificou que, mesmo tendo o poder de definir os rumos das investigações, elas devem ser feitas em “cooperação” entre a autoridade policial (”que preside o inquérito”) e “outros órgãos estatais excepcionalmente incumbidos do ofício investigativo” para “maior eficiência à atividade persecutória do Estado”.

Na última segunda-feira, 7, a PF afirmou ao Supremo que fará as diligências necessárias para concluir a investigação, e pediu a prorrogação dos prazos dos inquéritos. Em ofício à Corte, o delegado Elias Milhomens de Araújo disse que ainda não recebeu dados necessários da PGR e do Senado para dar andamento aos casos.

No mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República enviou ao STF mais um pedido de arquivamento de inquérito contra Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, Osmar Terra, Bia Kicis, Carla Zambelli, todos indiciados pela CPI por incitação ao crime. Neste caso, o pedido tem o endosso da PF, que concluiu que o presidente, os ex-ministros e parlamentares não cometeram crimes. A CPI sustentava que Bolsonaro cometeu delitos ao desencorajar o isolamento social e medidas preventivas durante a pandemia.

“As falas questionadas, se eventualmente merecem crítica, devem ficar sujeitas ao debate político e eleitoral, mas não penal, dado seu caráter fragmentário e só incidente quando clara a violação ou colocação em risco do bem jurídico relevante”, afirmou a PGR. O relator do caso é o ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não decidiu se acolherá o pedido.

Fake news e atos antidemocráticos

O presidente também é alvo de três inquéritos sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Na apuração sobre fake news, Bolsonaro é investigado por causa de uma live em que atacou as urnas eletrônicas. “Repito: quem tirou o Lula da cadeia? Quem o tornou elegível? É quem vai contar os votos lá no TSE na sala escura. E devemos entubar e dizer que o ministro Barroso está certo? As urnas são invioláveis?”, disse Bolsonaro, na transmissão. Outro inquérito apura as circunstâncias em que o presidente divulgou dados sigilosos de um inquérito sobre uma suposta invasão hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral.

No caso do inquérito sobre vazamento, a PGR pediu arquivamento a Moraes, o que foi negado.

Em seu voto, Moraes afirmou que “a divulgação de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal pelo Presidente da República, através de perfis verificados nas redes sociais, teria o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta que se estabelece contra o processo eleitoral brasileiro, com objetivo de tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso acerca de sua lisura”. O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro André Mendonça.

A PGR também pediu ao Supremo o arquivamento da investigação sobre suposta interferência política do governo na PF, aberta com base na denúncia do agora senador eleito Sérgio Moro (União Brasil) quando ele deixou o cargo de ministro da Justiça de Bolsonaro. A PF também se manifestou pelo encerramento da investigação.

Após deixar o governo federal, o presidente também voltará a responder por ações penais pelos crimes de injúria e incitação ao crime, referentes a uma queixa-crime movida pela ex-ministra Maria do Rosário (PT). Trata-se do caso em que, ainda deputado, Bolsonaro disse que a petista “não merece” ser estuprada porque é “muito feia” e “não faz” seu tipo. Estas ações chegaram a ser abertas pelo STF, mas acabaram suspensas quando o presidente foi eleito, em razão da prerrogativa de não responder a processos anteriores ao exercício do cargo.

O presidente pode ainda ter um reencontro com investigações sobre desvios de salários de gabinetes de seus filhos e de seu próprio gabinete à época em que era deputado. Foi durante o mandato presidencial que a quebra de sigilo bancário do MP do Rio identificaram que assessores do clã também sacavam seus salários quando estavam lotados no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara.

Na mesma investigação, foram identificados os cheques de R$ 89 mil de Fabrício Queiroz para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. À época, Flávio Bolsonaro era investigado, e estes servidores passaram pelo gabinete do senador à época em que ele era deputado estadual. Como Bolsonaro já era presidente, também não poderia haver investigação. A quebra de sigilo foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas o Ministério Público estuda como reiniciar a investigação.

A Advocacia-Geral da União (AGU) defende Bolsonaro nestes inquéritos. Nos autos, o órgão tem afirmado que não há “justa causa” para investigar o presidente. No caso dos pedidos da CPI atendidos pelo STF para prorrogar investigações e passar o caso para a PF, a AGU afirmou que deve ser mantido o entendimento da PGR pelo arquivamento sob pena de “admitir estranha intervenção processual em que determinado indivíduo pleiteia medidas em nome da entidade (MPF), que goza de legitimidade processual para, em nome próprio, falar em juízo, em espécie de tutela ou curatela não prevista em lei”. Em relação aos inquéritos de Alexandre de Moraes, a AGU também tem reiterado que “não há conteúdo ilícito em sua conduta que pudesse justificar” as investigações.

Procuradas, a AGU e a PGR não haviam se manifestado até a publicação desta reportagem.

Fonte: Estadão