Eleições
Moro promete nova política para relação com a Câmara
Político de baixa expressão por 30 anos, Jair Bolsonaro prometeu virar a mesa das relações políticas em Brasília ao se eleger na onda antissistema de 2018. Ao contrário disso, reforçou o modelo existente. Juiz federal por mais de 20 anos e ministro desse mesmo Bolsonaro por 16 meses, Sergio Moro promete repetir a tentativa caso vença a corrida eleitoral do ano que vem.
Para além das indicações dadas no discurso de quase 50 minutos da filiação de Moro ao Podemos, no último dia 10, a reportagem conversou nos últimos dias com aliados do ex-juiz sobre a seguinte questão: como, em caso de vitória, obter apoio legislativo sólido em um cenário em que a maioria do mundo político, da esquerda à direita, o rejeita?
Tanto no discurso lido em um teleprompter no dia 10 como na fala de seus correligionários posteriormente sobressai um argumento quase único, o de que bastará uma nova postura, um novo jeito de se relacionar com congressistas, em suma, uma nova política para que as placas tectônicas de Brasília se movam em favor do ex-comandante da Lava Jato.
Isso em um cenário atual em que bilionárias emendas parlamentares decidem votações e em que o nome do ex-ministro é fortemente rejeitado por oposição, centrão e bolsonaristas, donos de nada menos do que cerca de 70% da atual composição da Câmara dos Deputados.
"O programa de governo do Moro vai ficar muito claro. Os partidos que concordarem e quiserem se aliar serão recebidos de braços abertos. Os que forem contra, paciência. Não vamos ceder em princípios. Determinadas alianças não faremos", diz o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) a respeito das eleições.
Caso Moro seja eleito e se depare com um cenário no qual Arthur Lira (PP-AL) seja reeleito presidente da Câmara, o senador avalia que o diálogo se dará de modo institucional apenas.
Para o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, outro dos que se desiludiram com o bonde da nova política de Bolsonaro, de quem foi ministro, é necessário quebrar os atuais padrões de negociação, baseados em dinheiro e cargos.
"É preciso estabelecer os padrões de negociação. Não tem problema em ter oposição. É bom ter. O que tem que ter é a capacidade de não fazer dessa forma viciada, negociando dinheiro e cargos, mas, sim, um relacionamento de respeito, confiabilidade, honestidade, sinceridade, que é tudo o que ele [Moro] faz. A experiência de vida dele é essa."
O senador Álvaro Dias (Podemos-PR), outro entusiasta de Moro, reforça a avaliação e diz que serão bem-vindos os que admitirem o novo modelo.
"A política brasileira tem se mostrado fisiológica, é uma atração fatal pelo poder. A questão é: que método adotar para ter o apoio da maioria? Evitar o toma lá dá cá, sem dúvida. Eu vejo com grande possibilidade uma relação republicana", afirma o senador, que disputou a Presidência em 2018 e ficou em nono lugar.
"O Congresso, em primeiro lugar, dança a música que toca a Presidência. E depende muito do início, da postura do início do mandato. É preciso aproveitar esse momento de euforia, em que todos desejam o melhor para o país."
A democracia pressupõe a relação independente e harmoniosa entre Legislativo e Executivo. Para além dessa condição imperativa, nas últimas décadas os dois Poderes estabeleceram um cabo de força que propiciou momentos de majoritária subserviência do Congresso ao Planalto e, na linha contrária, na destituição de dois presidentes, Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016).
Bolsonaro, deputado federal por sete mandatos, assumiu a Presidência criticando o fisiologismo. A princípio, tentou governar se relacionando com frentes parlamentares, não com partidos, quase todos podres segundo a ideologia bolsonarista.
Assim que sentiu uma maior ameaça de impeachment, porém, se juntou ao centrão, grupo político ao qual pertenceu por anos, apesar de ter conseguido se apresentar a seus eleitores como uma figura totalmente distante disso.
Hoje Bolsonaro lidera um dos momentos de maior toma lá dá cá da história do Congresso, em que o bilionário esquema de direcionamento de emendas do relator em troca de votos tomou corpo.
Tudo isso de braços dados ao PL, partido ao qual prometeu se filiar, e ao PP, as duas siglas do centrão e que estiveram entre os principais alvos da Lava Jato de Moro.
Mesmo assim, os moristas dizem acreditar que tudo pode ser diferente, basta ter postura.
"É preciso exercitar na sua plenitude a capacidade de diálogo com o Congresso, tem que ser incansável no convencimento", diz Álvaro Dias.
Oriovisto cita positivamente Collor, que sofreu impeachment, Bolsonaro, reprovado por 57% da população, e Jânio Quadros, que renunciou com apenas sete meses de governo, como exemplos de trajetória similar à que pretende ver Moro trilhar: outsiders que se elegeram contra o sistema e com discurso anticorrupção.
A aposta entre aliados de Moro é que o ex-juiz crescerá nas pesquisas de opinião e angariará apoio popular, do mercado financeiro -na semana que passou ele anunciou o nome do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore como um de seus conselheiros na macroeconomia- e de formadores de opinião de tal forma que os partidos tradicionais se verão sem opção a não ser apoiá-lo. E, nesse caso, terão de negociar e ceder aos limites impostos pelo próprio ex-magistrado.
Para mandar um recado, por exemplo, Moro quer revisar o programa de compliance do Podemos e usá-lo como um modelo para os outros.
"Ele não ganha com articulação de partidos, ele ganha se for como Bolsonaro, se o eleitor vier em massa. Uma vez eleito, porém, corre o risco de ficar preso na tese de que ainda é juiz. Ele vai ter que entender que não é juiz, que é político, e vai ter que dialogar, senão repete Bolsonaro, que chegou querendo dar coice e deu no que deu", afirma o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).
Além do Podemos, que conta com apenas 11 dos 513 deputados, Moro tem esperança de reunir parte da base que está mais alinhada a Bolsonaro e, principalmente, partidos de centro e centro-direita que se digladiam entre si em busca de uma terceira via.
Hoje a oposição é majoritariamente anti-Moro, em especial o PT, em decorrência de o ex-juiz ter condenado e preso Lula, retirando o petista da disputa presidencial de 2018. Em 2021, o Supremo considerou Moro parcial nos processos contra Lula. Com isso, foram anuladas ações dos casos tríplex, sítio de Atibaia e Instituto Lula pela Lava Jato.
Já o centrão liderou o processo de esvaziamento das propostas de endurecimento da legislação penal do então ministro da Justiça. Tendo vários integrantes também alvos da Lava Jato e de Moro, o grupo milita contra o ex-juiz. Por fim, há os bolsonaristas, segundo quem Moro não passa de um traidor do atual ocupante da cadeira presidencial.
Em entrevista à Bloomberg, nesta quinta-feira (17), Moro confirmou manter conversas com PSDB, MDB e União Brasil (fusão do DEM com o PSL, ainda pendente de aprovação pela Justiça Eleitoral) e mandou sinais, inclusive, ao centrão, afirmando que não se pode generalizar e que "existem partidos e pessoas no centrão que são pessoas boas".
Em seu discurso de filiação ao Podemos, porém, Moro pouco fez para tentar compor com os políticos que integram esses grupos. Ao contrário, fez ataques a todos eles.
Neste sábado (20), ao participar do congresso anual do MBL (Movimento Brasil Livre), o ex-juiz foi questionado sobre a fala a respeito do centrão e afirmou que há "pessoas boas" em todos os partidos
"Para governar e se ter um projeto que possa ser realizado, o diálogo é necessário. Então, tem que conversar com todo o mundo. E em todos os partidos, esquerda, direita, centro, centrão, tem pessoas boas, tem pessoas com as quais se pode conversar e construir um projeto", disse.
Moro afirmou que, no caso de chegar ao Planalto, adotará um "discurso conciliatório", mas será "vigoroso" na defesa de princípios e valores de seu projeto. "Há uma linha a ser traçada que não será ultrapassada mesmo na formação de alianças políticas."
Fonte: Folha