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Mães sem rede de apoio sofrem com pressão e dificuldades no mercado de trabalho

Pauta é coletiva, mas mulheres ainda enfrentam um sistema machista, patriarcal e capitalista
Foto: PixaBayPor não terem uma rede de apoio estruturada, muitas mães não conseguem trabalhar ou estudar
Por não terem uma rede de apoio estruturada, muitas mães não conseguem trabalhar ou estudar

Em maio, às vésperas do Dia das Mães, a atriz, cantora e instrumentista mineira Júlia Tizumba lançou o single “Mãe na Pandemia”, desabafo bem-humorado sobre o quanto o período pandêmico evidenciou as multitarefas às quais mães são submetidas. A música repercutiu nas redes sociais, ganhou os grupos de WhatsApp e foi compartilhado para além de Minas Gerais. “Mãe na Pandemia” foi composta por Luísa Toller e produzida por Neila Kadhí. Júlia e a dupla assinam os arranjos. “A música trouxe bom humor para um assunto que é tão complexo, pesado e denso”, diz Júlia. 

Sobrecarregadas, muitas mães abdicam de emprego, lazer e estudo quando não têm a tão falada rede de apoio, aquele grupo de familiares, amigos ou vizinhos que está ali para ajudar a maternidade a ser mais leve e tirar do colo da mulher tarefas que devem ser divididas. Mãe de Serena, 5, e de Iara, 1, Júlia Tizumba busca na sabedoria dos povos originários um ensinamento sobre redes de apoio, que diz: “É necessário uma aldeia para se educar uma criança”.

“Mas, no sistema machista, patriarcal e capitalista, tudo recai sobre a mulher. Existe mãe, pai e rede de apoio. Tem gente que acha que pai é rede de apoio! Pai é pai, gente! Pai está cuidando do que é dele, não está olhando ou ajudando”, ela faz questão de dizer.

A série “Maid”, sucesso na Netflix, também escancarou o problema ao retratar uma jovem mãe que se vê presa em diversos contratempos pela falta de uma rede de apoio. Para Júlia, que não sofre com a falta de apoio que marca a vida de muitas mães, essa é uma pauta coletiva de importância social e humanitária, “e a pandemia esfregou na cara da sociedade essa questão”.

A cantora afirma que a falta desse suporte afeta mães em aspectos físicos e mentais. Segundo a artista, há uma conta que não fecha: “O mercado de trabalho quer que sejamos profissionais como se não fôssemos mães; e a sociedade quer que sejamos mães como se não fôssemos profissionais. E, nesse quebra-cabeça, sobra muito pouco espaço para a gente ser mulher, múltiplas em todos os sentidos”. 

A diarista Ester Pereira Carvalho, 36, é mãe de Stephanie, 20, e Davi, 2. Ela diz que viveu situações bem diferentes nas duas gestações. Com Stephanie, Ester, até por ser muito jovem, teve muito apoio da mãe e não precisou colocar a filha em uma creche logo nos primeiros meses. “Eu conseguia sair para trabalhar e não precisei me preocupar com escolinha antes de a Stephanie completar um ano”, ela lembra. Quase 20 anos depois, em contextos completamente distintos, Ester sentiu o peso de não ter uma rede de apoio. 

Grande parte da família da diarista mora na Bahia, e quem está em Belo Horizonte, pela rotina atarefada, não consegue ser o suporte que Ester precisa. “Minha mãe tem problema de saúde, e não tive esse apoio para cuidar do Davi, tanto que, assim que saí da licença-maternidade, perdi meu emprego”, ela conta. 

Durante a pandemia, Stephanie concluiu o ensino médio com o curso técnico-administrativo e viu seu estágio chegar ao fim. Com isso, ela pôde ficar com o irmão para que a mãe pudesse voltar a fazer faxina em dias pontuais. “Conheço muitas mães que passam por isso também e histórias até piores que a minha, porque ainda tenho a ajuda da minha filha e da minha mãe, que tem problema de saúde, mas faz o que pode”, pontua Ester, que vê uma cobrança excessiva e injusta em cima da mulher e diz sentir insegurança, medo e um sentimento de impotência. Para ela, o recorte social é revelador, e mulheres de classes mais baixas têm ainda mais dificuldades.

A assistente social Vi Coelho, 35, trabalha na ONG Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Sediada em Brasília e com atuação em Belo Horizonte, a entidade promove os princípios dos direitos fundamentais das mulheres sob uma perspectiva feminista e de igualdade e justiça entre os gêneros. O impacto da falta de uma rede de apoio e as consequências desse peso colocado sobre as mulheres atravessam pesquisas, debates e ações da Anis.

Mãe de Benjamim, 3, Vi diz que o assunto está em seu cotidiano o tempo inteiro, já que ela também é cantora dos blocos Havayanas Usadas e Pele Preta, além de atuar no coletivo Negras Autoras e na Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC).  

“Em algum momento, já vivi isso com muito desespero. ‘Vou ter que parar minha vida, meu Deus! Como vou criar meu filho e trabalhar?’, cheguei a pensar”, comenta Vi, que é mãe solo. Morar no mesmo bairro que os pais é uma das estratégias que ela buscou para facilitar sua rotina e ter o auxílio da família mais presente. “Eles são o principal suporte que eu tenho. Sem meus pais, eu não conseguiria”, pontua. 

Papel do Estado

Vi Coelho ressalta a necessidade de investimentos em políticas públicas para a educação infantil. Atualmente, Belo Horizonte conta com 145 Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis), que recebem crianças de 0 a 5 anos, distribuídas pelas nove regionais da capital. A rede conveniada é formada por 207 estabelecimentos de ensino (creches) para atendimento exclusivo à educação infantil.

Ao todo, são 79.636 crianças atendidas em BH. “É fundamental para a emancipação da mulher que as Emeis sejam vistas também como política de igualdade de gênero, para que essas mulheres possam ter lazer, estudar, praticar esportes e buscar aperfeiçoamento profissional”, destaca a assistente social.

A psicóloga Ana Resende pondera que a carga mental imposta às mulheres que não contam com momentos para se cuidarem é imensa. Mãe de uma garotinha de 3 anos, ela trabalha com educação infantil e afirma que ter uma rede de apoio estruturada e presente é, do ponto de vista da individualidade, positivo tanto para mães quanto para os pequenos.

“A criança precisa desenvolver habilidades de comunicação, e esses momentos sem a mãe trazem desafios importantes. Para as mães, é saudável ter pequenos respiros também, porque ninguém dá conta de pensar em tudo ao mesmo tempo, trabalhar, cuidar de criança e ainda ter os horários em função dos filhos”, comenta Ana, que tem na irmã um importante suporte. 

Fonte: O Tempo