Esporte

Mães que superam preconceito e incentivam filhos nos e-Sports

Mães de Kami, Shini, Zuao e Reeh contam como aprenderam a acreditar nos sonhos dos filhos engajados no esporte eletrônico
Foto: ReproduçãoSandra ao lado do Kami no lançamento do seu livro
Sandra ao lado do Kami no lançamento do seu livro

Mesmo que seja complicado compreender um caminho que o filho deseja seguir, é de extrema importância que a mãe seja o amparo necessário para que ele não desista e continue seguindo em frente, afinal, a felicidade é o resultado da soma de tudo de bom que existe no mundo, um dos sinônimos da palavra mãe. Buscando firmar ainda mais a ideia de "apoio incondicional materno", o e-SporTV reuniu a história de algumas mães que aprenderam a apoiar os sonhos de seus filhos dentro dos jogos e esportes eletrônicos, usando de estímulo, sobretudo, a falta de apoio que tiveram no passado.

Sandra Bohm, mãe de Gabriel "Kami", um dos maiores nomes do cenário nacional de League of Legends, conta como esteve ao lado do jogador nos principais momentos da carreira e como se tornou uma das maiores fãs do filho. Ela ainda faz um apelo para as mães que têm filhos que desejam ingressar nos eSports:

- Eu diria para as mães acompanharem (a carreira dos filhos), pelo menos tentar entender o sonho deles e nunca deixá-los sozinhos, caso eles resolvam sair para jogar em alguma organização. Tem que acompanhar de perto os contratos com as organizações, onde vai morar, todas essas coisas -reforçou.

Joana Morais, mãe de João Vitor "Zuao", caçador da Redemption, repassa o começo de carreira do filho, as polêmicas, as tentativas de desistência e a falta de apoio por parte do pai do jogador, posicionado contra a profissão do filho.

Sem terem tido opção de escolher a profissão no passado, Adriana Rogê, mãe de Diogo "Shini", caçador da INTZ, e Raquel Bagnato, mãe de Renata "Reeh", streamer de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), contam como aprenderam a aceitar a profissão dos filhos, usando como “motor motivacional” a falta de apoio que tiveram para com as próprias escolhas no passado. Relutante na questão educacional, Adriana aprendeu a entender que existe um universo de oportunidade nos games, e Raquel, ao acompanhar a filha nos eventos, acabou se tornando a "Tia Raquel", assim chamada por muitos no cenário de CS:GO.

Sandra Bohm: fã de carteirinha

Mãe de Gabriel "Kami", bicampeão brasileiro de League of Legends pela paiN Gaming, sua aproximação com o universo do filho aconteceu em meados de 2015, quando na final do 2º Split do CBLoL, ela foi caracterizada de Lux à Arena Palmeiras para assistir à final entre paiN e INTZ. Desde então, ela passou a acompanhar o filho nos eventos para os quais ele é convidado, sendo também responsável por cuidar de tudo relacionado à marca dele. Em 2014, Sandra participou de uma transmissão ao lado de Kami, em que o objetivo era o jogador responder dúvidas sobre a sexualidade dele. Foi o primeiro jogador de League of Legends do Brasil a assumir-se homossexual ao público, incentivando outros jogadores a fazerem o mesmo e passar por cima do preconceito.

Embora tivesse pessoas apoiando Kami naquela situação, do outro lado estavam outras munidas de preconceito. Sandra, como mãe, preferiu, e ainda prefere, não se preocupar com a energia de pessoas negativas, focando no que vem de pessoas boas e acreditando que o amor que existe entre ela e o filho supera tudo. Fã de carteirinha de Kami, Sandra considera que o maior esforço perante a carreira do filho foi ficar longe dele.

- Não sei se foi mais um esforço ou mais um sofrimento ficar longe dele. Isso até hoje é muito difícil, mas eu sei que ele está feliz, então eu vou aos eventos às vezes, até mesmo só para encontrar com ele, tipo uma fã (risos).

Kami está longe do cenário profissional desde a final do 2º Split do CBLoL 2017 e não esboça um retorno aos campos da justiça. Sandra conta que, quando ficou sabendo da decisão do filho, insistiu para que ele continuasse por se preocupar com o futuro do jogador.

- Ele comentou comigo com relação à aposentadoria e eu falava para ele continuar porque eu pensava que ele poderia ficar sem dinheiro, sem trabalho, mas graças a Deus eu estava errada. Hoje ele é muito mais feliz, trabalha menos e continua com a mesma "fan base" que o acompanha nas streams e nos eventos.

Joana Morais: a "Dona Zuana"

Joana Morais é mãe de João "Zuao", que hoje joga como caçador pela Redemption. Ela conta que foi abordada pelo filho com o desejo de viajar para São Paulo em 2015, com o propósito de jogar o primeiro grande torneio presencial. Na época, Zuao defendia a Keyd Warriors e enfrentaria a Dexterity na Série de Promoção para a segunda etapa do CBLoL naquele ano. A princípio, sem entender muito do que se tratava, Joana não lidou muito bem com a situação, mesmo com toda a insistência do filho. Ela chegou a pedir que a organização desistisse da contratação, voltando atrás só depois de conversar com o manager da equipe na época, Lucas "Bach".

- Eu não conhecia nada do jogo (League of Legends), e, de um dia para o outro, eu passei a madrugada na internet estudando tudo sobre. Eu chegava a ficar quase o dia todo lendo sobre os termos... tudo, tudo sobre o jogo. E eu achei interessante, até porque não é um jogo violento, é algo mais voltado para estratégia, não é?

A mãe do jogador permitiu que ele viajasse para realizar o sonho, mas deixou bem claro que o acompanharia em todas as viagens para São Paulo. Além de mãe, Joana também é advogada, então fez questão de entender todas as questões jurídicas e contratuais da nova profissão do filho. Mesmo faturando a vitória na Série de Promoção, a Keyd dispensou Zuao após o campeonato, e ele ligou para a mãe, contando que tinha sido removido do time. Foi então que Joana passou a apoiá-lo ainda mais. Era o primeiro baque logo no começo da carreira.

O apoio da mãe é crucial para Zuao, e ela deixa evidente que os dois são muito amigos. Durante todo o período em que esteve em casa, Joana sempre ajudou o filho com tudo o que precisou, até mesmo comprando equipamentos adequados para que o caçador não tivesse problemas na hora da jogatina. Embora tenha todo o apoio materno, o pai do jogador não é a favor da carreira do filho, e já chegou a deixar isso bem claro diante dele.

- Eu diria que o maior esforço foi enfrentar o preconceito de terceiros, daqueles que não conseguem compreender o que é o esporte eletrônico. Explicar do que se tratava era muito complicado na época. Para mim, estar ao lado dele não é esforço nenhum. É alegria, apoio total, incondicional. Eu compreendo que entrar nesse meio não é nada fácil, então acredito que o maior esforço é fazer com que ele se mantenha lá. É, e tem sido isso, o maior esforço que fiz e faço pelo meu filho - disse Joana.

Relembrando os momentos em que esteve com o filho, Joana voltou em 2016, quando Zuao quis abandonar o cenário competitivo. Ele defendia a KaBuM no CBLoL e, durante uma partida contra a RED Canids, o caçador esqueceu de selecionar os talentos do próprio Campeão antes de o jogo começar. O incidente fez com que o selva sofresse bastante ataque por parte da comunidade, que manteve a história viva durante um bom tempo. Com o término da competição e o rebaixamento da KaBuM, Zuao deixou o time e retornou para casa, decidido de que não voltaria mais a competir.

- Eu tive, e ainda tenho, que me esforçar para não responder os "haters". Assisto aos jogos sem ler o chat das transmissões, porque, se mexem com o meu filho, eu viro bicho (risos). Em 2016, quando teve todo o incidente com a KaBuM, ele voltou para casa decidido de que não queria mais jogar profissionalmente. Eu perguntei se ele tinha certeza daquilo, afinal, era o que o fazia feliz. Ele disse que sim e me pediu para voltar a estudar. Eu o matriculei na faculdade (Direito), mas percebi que ele não estava feliz com aquilo, sabe? Foi então que, para o ano seguinte, ele recebeu uma proposta da ProGaming e, quando ele me contou que pensava em não aceitar, eu perguntei: "mas não é o que você gosta de fazer?" Ele tinha 18 anos na época, então deixei ele pensar, até que ele resolveu aceitar a proposta e voltou a São Paulo para jogar - contou Joana.

Com uma personalidade forte, conhecida pelo cenário, Joana atribui a evolução de Zuao às idas para São Paulo, onde ele aprendeu a se virar sozinho. Ela também ressalta a importância do acompanhamento psicológico.

Adriana Rogê: "Nunca imaginei tantas possibilidades no computador"

Embora bata na tecla da liberdade profissional, entender a profissão do filho não foi nada fácil para Adriana Rogê, mãe do selva Diogo "Shini", campeão brasileiro pela INTZ na primeira etapa do CBLoL 2019. Ela nunca imaginou que o filho se tornaria um profissional do esporte eletrônico, mesmo com todas as horas gastas na frente do computador. Crente de que Shini seguiria o "caminho padrão", a aceitação só veio após a Genesis garantir a classificação para o CBLoL na Série de Promoção da primeira etapa de 2017.

- Foi difícil aceitar porque, a princípio, eu achava que ele deveria estudar. Ele estava no ensino médio e eu gostaria que ele fosse para a faculdade. Ele insistia muito e sempre foi muito bem na escola. Minha expectativa era de que ele seria engenheiro, médico ou qualquer profissão plena. Eu achava que ele estava perdendo tempo e que não estava vivendo; só ficava em casa no computador. Nunca imaginei tantas possibilidades no computador. Eu só comecei a apoiar realmente quando ele montou a Genesis e seguiu bem no Circuito Desafiante - admitiu.

Shini, assim como muitos outros jogadores, não conta com o apoio de todos da família. Segundo a mãe, isso se dá pela dificuldade de explicar como funciona o cenário de eSports. Diferentemente do filho, Adriana não teve o privilégio de escolher a profissão no passado. Por necessidade, ela acabou entrando no mercado imobiliário, onde se mantém até hoje, depois de encontrar a "vocação" como corretora de imóveis. Retornando ao passado, ela apoia ao filho batendo na tecla de que todos devem trabalhar com o que traz felicidade, independentemente das circunstancias externas.

- Ele não teve apoio de todos da família. Não são todas as pessoas que entendem e conhecem os eSports. Eu comecei a trabalhar com 33 anos porque meu ex-marido não me deixava trabalhar. Como eu não tinha profissão, fui trabalhar de corretora de imóveis pois eu precisava, de alguma forma, sustentar meus dois filhos. Comecei na profissão por necessidade e hoje continuo corretora de imóveis porque descobri que tenho essa vocação. Eu só pensava que eu não poderia fazer com eles, meus filhos, o que meu ex-marido fez comigo.

Foto: Divulgação / INTZAdriana entre Envy (esq) e Shini (dir) após a conquista do título da INTZ no CBLoL 2019
Adriana entre Envy (esq) e Shini (dir) após a conquista do título da INTZ no CBLoL 2019

Campeão brasileiro pela primeira vez, Shini não deve pensar em parar de jogar tão cedo. Para sua mãe, quando o jogador largar o teclado e o mouse de lado, ele deve voltar para a faculdade e dar continuidade aos seus estudos. Adriana conta que o selva sempre lidou bem com a escola, e não esconde, em momento nenhum, a vontade que tem de ver o filho na universidade, mas sempre mantendo o respeito pela escolha do caminho profissional do jogador.

- Quando ele decidir parar de jogar pode ir para universidade. Ele sempre foi muito bom nos estudos. Tudo tem seu tempo. Eu estudei e não pude trabalhar cedo, ele trabalha no que gosta e no futuro poderá se dedicar aos estudos. Eu gostaria, sim, que ele estudasse, mas isso será uma decisão ou necessidade dele.

Adriana segue apoiando 100% as escolhas do filho, mas mantém o pensamento de que existe um privilégio em trabalhar com o que se gosta, ainda mais quando o trabalho é jogar videogame profissionalmente.

- Eu tenho plena convicção de que somos privilegiados. Trabalhar no que se gosta é muito importante para o sucesso, porém não é garantido. Para chegar aos objetivos, é necessário empenho, persistência, sorte, disposição, perseverança. Não acho que seja tão simples. O caminho do sucesso é bem longo e árduo.

Raquel Bagnato: a "Tia Raquel"

Raquel Bagnato, ou Tia Raquel, é mãe de Renata "Reeh", streamer e narradora de CS:GO. Apaixonada por jogos desde pequena, Reeh abordou a mãe com o desejo de trabalhar fazendo streams. Sem entender nada do que se tratava, Tia Raquel conta que a filha explicou tudo sobre o mundo dos "joguinhos que não são só joguinhos". Já ciente do que se tratava, a mãe ajudou a filha a comprar um computador e equipamentos melhores, afinal, era necessário se tratando de um trabalho audiovisual. Diferente da mãe, o pai de Reeh não entende muito bem do que se trata o trabalho da filha, e segundo a mãe, não parece estar tão interessado em participar, ou entender esse mundo.

- Somos eu, a Reeh, sua irmã e seu pai. A irmã super apoia as decisões dela (Reeh), assim como eu. O pai, por outro lado, ainda não entendeu do que se trata tudo isso, e nem parece tão interessado em entender. Para ele, trabalhar é sair de casa às cinco horas da manhã e voltar às sete horas da noite. Ele ainda não captou a mensagem (risos) mas aos poucos, devagarinho, a gente vai tentando explicar a ele e uma hora ele vai ter que entender -.

Tia Raquel relembra que quando tinha a idade da Reeh, o seu sonho era se tornar economista. No entanto, não teve o apoio do pai na sua decisão. Diante de sua filha, ela quer fazer diferente, e por isso, dá todo o apoio necessário para que a Reeh não desista do seu sonho.

- Quando eu era novinha, meu sonho era ser economista, mas meu pai não lidou muito bem com a ideia e não me apoiou. Nós morávamos em uma cidade onde não tinha faculdade e ele se negava a me deixar sair a noite para estudar. Naquela época nós não batíamos de frente com os nossos pais, apenas respeitávamos. Tudo isso aconteceu comigo e eu não queria que acontecesse com ela (Reeh), então eu apoio muito. Não acho que seja um esforço apoia-la, é basicamente estar ali e fazer com que ela não deixe a peteca cair. Ficar horas na frente do computador, interagindo, é um trabalho legal, mas cansativo, chega uma hora que você cansa de estar ali, mas se é o gosto dela, eu vou estar sempre ali -.

Entusiasta do CS:GO, Tia Raquel adora participar dos eventos ao lado de sua filha. No início, ela ia apenas para acompanhar a Renata, ainda novinha quando começou. Porém, mais tarde, ela se apaixonou pelos eventos e pelo carinho da torcida. "Surreal" e "Satisfatório" foram as palavras utilizadas por Tia Raquel para descrever os eventos de eSports e sua experiência perante aos seus "sobrinhos", que sempre à aborda com um imenso carinho.

- Eu acompanhava a Reeh nos eventos quando ela tinha 17 anos, até mesmo para o pai não ficar de birra, e a primeira vez foi muito contagiante, impossível não gostar. Depois da experiência com os eventos, eu até senti uma vontade de aprender a jogar, dou meu tirinho de vez em quando (risos). O carinho do público nos eventos é surreal, uma coisa de louco, muito contagiante. É algo que vale muito a pena (participar dos eventos), faço questão de ir em todos que posso. A gente parcela em 10x no cartão e mandar ver (risos). Eu sou apaixonada por tudo isso -.

Tia Reeh fecha com um apelo aos pais que ainda insistem em não apoiar os filhos naquilo que eles gostam. Ela acredita que, independente do que eles queiram fazer, a vida é deles, e que os pais têm que tirar da cabeça a ideia de que os filhos devem ser o que eles não conseguiram ser no passado.

- Eu vejo que hoje tem muitos filhos que não querem contar aos pais sobre com o que querem trabalhar, principalmente com relação ao esporte eletrônico, que uma coisa nova, terreno novo. Não tem que ser assim, os pais devem ficar próximos dos filhos e deixar que eles vivam a vida fazendo o que eles gostam de fazer. Meu sonho é ver os pais apoiando e torcendo, não tem prazer maior do que ver um filho feliz. Apoio e presença são fundamentais, e eu sinto muita falta da presença dos pais ao lado de seus filhos nos dias de hoje. E o que eu faço com a Reeh é estar ali e apoia-la, na medida do possível, dando respaldo para que tudo ocorra bem, e eu acho que está dando certo.

Fonte: E-SporTV