Economia e Negócios

Copom sobe Selic aos 5,25% ao ano, e indica ciclo de alta para além do patamar 'neutro'

Em linha com a maior parte das apostas do mercado, taxa de referência for erguida em 1 ponto, após uma sequência de três puxões para cima de 0,75. Foi a maior alta de uma só vez em 18 anos
Foto: Getty ImagesJuros alta porcentagem taxa
Juros alta porcentagem taxa

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) subiu nesta quarta-feira (4) a meta para os juros básicos (Selic) em 1 ponto, aos 5,25% ao ano. E, assim, confirmou o cenário mais drástico desenhado em sua última reunião. A depender do andar da carruagem, foi avisado 42 dias atrás, que a taxa poderia subir mais rápido que o passo de 0,75 ponto, que havia sido usado nas três vezes anteriores.

A alta praticada neste noite foi a maior em 18 anos. Menor apenas que o puxão de 3 pontos dados em dezembro de 2022, na finaleira do governo FHC. Às vésperas de a pagina ser virada para o governo Lula, o BC então comandado por Armínio Fraga tentava agir sobre a pressão cambial exercida sobre os preços praticados na economia brasileira.

Agora, no governo Bolsonaro e sob direção do Roberto Campos Neto, o inimigo a ser combatido pelo BC é outro. O que exige medidas duras.

Além da alta desta noite, já esperada, havia um burburinho no mercado sobre a inviabilidade de encerrar este ciclo de aperto monetária no patamar neutro de juros. E, portanto, poderia ser enterrada a hipótese de os juros terem que subir apenas para 7% ao ano no de 2021. Poderia ser necessário ir algum um nível além, não só deixando de estimular a economia via juros. Mas, no ano que vem, a Selic passando a trabalhar contra o crescimento econômico. Caso contrário, o controle da inflação perigaria escorrer de vez por seus dedos.

E o Banco Central, de fato, planeja agora seguir nesse caminho de aperto monetário mais forte. Escreveu ele no comunicado passado, quando o plano de voo era apenas de “normalização” da política de juros:

Neste momento, o cenário básico do Copom indica ser apropriada a normalização da taxa de juros para patamar considerado neutro. Esse ajuste é necessário para mitigar a disseminação dos atuais choques temporários sobre a inflação. O Comitê enfatiza, novamente, que não há compromisso com essa posição e que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação.

O texto, agora, diz o seguinte:

Neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado um ciclo de elevação da taxa de juros para patamar acima do neutro.

A inflação gerada a partir do setor de serviços, sobretudo, preocupa. Há, sim, uma pressão natural vinda da reabertura da economia. Mas os últimos dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indicam também movimentos "inerciais" aumentando o custo de vida. Ou seja, tão e qual o termo emprestado da física, preços têm subido como num efeito dominó, empurrados um pelo outro. E sem que, necessariamente, reajam a uma demanda muito acima da oferta.

Em outras palavras, parte dos fazedores de preço não estão simplesmente repassando a alta de custos com a qual têm lidado no dia a dia. Acabam elevando preços finais ao antever inflação subindo de maneira descontrolada no futuro. No jargão das autoridade monetária, "as expectativas estão desancoradas".

Essa falta de confiança sobre o que virá, no fim das contas, acaba por confirmar os temores no presente mesmo, puxando para cima o custo de vida.

Ao longo do mês, a pesquisa Focus chegou a sinalizar a retomada do controle das expectativas pelo BC. O discurso mais duro adotado pela autoridade monetária fazia projeções de inflação para 2022 deixarem de subir para retroceder. Mas durou pouco a paz. Nas últimas semanas, não só as projeções médias de inflação para o ano que vem voltaram a subir. De um vez, foram parar acima do patamar do qual tinha começado a cair.

Tendo esse pano de fundo, a decisão de subir juros em 1 ponto nesta noite foi tomada pelo Copom por unanimidade. E ficou em linha com 79% das apostas do mercado conferidas pelo Valor PRO. A parcela restante ainda acreditava num ajuste novo ajuste de 0,75 ponto.

"As fortes pressões inflacionárias recentes, especialmente aquelas provenientes da crise hídrica, com impactos nos preços da energia, além da questão climática, que deve afetar os preços dos alimentos no curto prazo, recomendavam uma atuação mais firme da autoridade monetária", diz Thomás Gibertoni, analista da Portofino Multi Family Office. "Ao mesmo tempo, os ruídos fiscais das últimas semanas prejudicam o esforço de redução da taxa de juro neutra."

"O BC nesta vez deu mais atenção à questão fiscal", destaca Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. "O auxílio emergencial sendo transformado em novo Bolsa Família, mostra o BC, pode elevar os prêmios de riscos no Brasil, então, foi dada uma mensagem indireta de que essa discussão não pode degringolar".

"O comunicado do Copom traduziu no exato tom o que o mercado já sinalizava. E mostra alinhamento com o compromisso da meta em tom ainda mais rígido que o último comunicado, principalmente quando sinaliza juros para patamar acima do neutro", diz João Beck, economista e sócio da BRA. "Especial destaque para divisão de responsabilidades com o congresso. Que já havia sido escrito em comunicados recentes mas agora com mais ênfase. Mesmo a despeito de melhoras no perfil da dívida pública, sinais que continuidade de políticas de estímulo preocupam."

"O Copom está relativamente atrasado para manter a inflação sob controle no país e, por isso, precisa realizar uma normalização mais acelerada da Selic", explica Paloma Brum, analista da Toro Investimentos. "O aperto monetário deve se estender nas próximas decisões, fazendo com que os juros subam para um patamar próximo de 8% ao ano."

"Demorou, mas acertou", avalia Mehanna Mehanna, sócio fundador da Phi Investimentos. "Não dá para brincar com a inflação. A expectativa para inflação no horizonte está maior que o risco considerado saldável."

Do ponto de vista prático, a decisão de subir a Selic implica empréstimos e financiamentos tendendo a ficar mais caros.

Além disso, para o mercado financeiro local, renda fixa pagando melhor significa menor poder de relativo de sedução para a renda variável. No entanto, a atratividade do mercado de bolsa, segue maior no frigir dos ovos. Com a inflação girando rumo aos 9% ao ano, a alta praticada na Selic não tira o Brasil do campo dos juros reais negativos.

Já para o mercado financeiro internacional, a renda fixa no Brasil passa oferecer retorno pouco mais alinhado à sorte de riscos oferecidos pelo país. Mais dólares podem ser atraídos ao país ou menos afugentados. O que, por sua vez, ajuda a controlar o canal cambial da inflação por pressionar para baixo seu preço em reais.

A meta do Banco Central neste ano é entregar uma variação média dos preços medida pelo IPCA de 3,75% em 12 meses, com intervalo de tolerância de entre 2,25% e 5,25%. A última medição feita IBGE, em julho, aponta inflação em 12 meses acelerando para bem além do teto buscado, subindo de 8,13% a 8,59%.

LEIA A ÍNTEGRA DO COMUNICADO DO COPOM

Em sua 240ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 5,25% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

No cenário externo, a evolução da variante Delta da Covid-19 adiciona risco à recuperação da economia global. O Comitê avalia que, a despeito dos movimentos recentes nas curvas de juros, ainda há risco relevante de aumento da inflação nas economias centrais. Ainda assim, o ambiente para países emergentes segue favorável com os estímulos monetários de longa duração, os programas fiscais e a reabertura das principais economias;

Em relação à atividade econômica brasileira, os indicadores recentes continuam mostrando evolução positiva e não ensejam mudança relevante para o cenário prospectivo, o qual contempla recuperação robusta do crescimento econômico ao longo do segundo semestre;

A inflação ao consumidor continua se revelando persistente. Os últimos indicadores divulgados mostram composição mais desfavorável. Destacam-se a surpresa com o componente subjacente da inflação de serviços e a continuidade da pressão sobre bens industriais, causando elevação dos núcleos. Além disso, há novas pressões em componentes voláteis, como a possível elevação do adicional da bandeira tarifária e os novos aumentos nos preços de alimentos, ambos decorrentes de condições climáticas adversas. Em conjunto, esses fatores acarretam revisão significativa das projeções de curto prazo;

As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação;

As expectativas de inflação para 2021, 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 6,8%, 3,8% e 3,25%, respectivamente; e

No cenário básico, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de USD/BRL 5,15*, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 6,5% para 2021, 3,5% para 2022 e 3,2% para 2023. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 7,00% a.a. neste ano, mantém-se nesse valor durante 2022 e reduz-se para 6,50% a.a. em 2023. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 10,0% para 2021 e 4,6% para 2022 e 2023. Adota-se uma hipótese neutra para a bandeira tarifária de energia elétrica, que se mantém em "vermelha patamar 1" em dezembro de cada ano-calendário.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento recente nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo do cenário básico.

Por outro lado, novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país. Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

O Copom reitera que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,00 ponto percentual, para 5,25% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2022 e, em grau menor, o de 2023. Esse ajuste também reflete a percepção do Comitê de que a piora recente em componentes inerciais dos índices de preços, em meio à reabertura do setor de serviços, poderia provocar uma deterioração adicional das expectativas de inflação. O Copom considera que, neste momento, a estratégia de ser mais tempestivo no ajuste da política monetária é a mais apropriada para garantir a ancoragem das expectativas de inflação. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

Neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado um ciclo de elevação da taxa de juros para patamar acima do neutro.

Para a próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

Fonte: Valor Investir