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Bolsonaro fez a coisa certa

Foto: ReproduçãoBolsonaro fez a coisa certa
Bolsonaro fez a coisa certa

A disputa presidencial mostrou que a maioria dos eleitores julgou Jair Bolsonaro pelos inúmeros erros que cometeu, sempre apontados e criticados por este jornal. Mas, ao final de seu melancólico mandato, Bolsonaro finalmente fez algo que merece elogio. Quando ninguém mais esperava, mandou suspender o pagamento do famigerado orçamento secreto, que garantiu estabilidade política a seu governo no Legislativo.

A decisão se deu por meio de um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) que possibilitou o remanejamento das verbas das emendas de relator (RP 9) e emendas de comissão (RP 8) em favor de despesas obrigatórias (RP 1). Aliada a um decreto referente ao mais recente contingenciamento que se fez necessário para cumprir o teto de gastos, a medida secou a fonte de recursos de um esquema pouco transparente que sustentou as relações entre o Executivo e o Congresso nos últimos anos.

Na reportagem mostrou que Bolsonaro tomou a decisão possivelmente para se vingar de um Legislativo que começa a se aproximar do presidente eleito Lula da Silva. Bolsonaro não teria aceitado bem a aproximação entre Lula e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Se assim é, então Bolsonaro fez a coisa certa pelos motivos errados.

Na prática, contudo, Bolsonaro, que jamais se envolveu a sério com questões orçamentárias – e não seria agora, a um mês de deixar o cargo, que mudaria de comportamento –, não tinha alternativa a não ser assinar os despachos, pois deles dependia o pagamento de despesas obrigatórias.

Para o País, no entanto, pouco importam as razões por trás das decisões daqueles que detêm cargo público, mas sim as consequências de seus atos. E, neste caso, é inegável que essas resoluções foram extremamente positivas. Seja por revanchismo, seja por um súbito senso de dever como governante, Bolsonaro agiu corretamente, algo muito raro ao longo de sua vida pública – e, por isso mesmo, digno de destaque.

Do total do Orçamento Geral da União, 93% correspondem a gastos obrigatórios, como salários do funcionalismo e benefícios previdenciários. Diante de circunstâncias imprevistas ou ignoradas, é preciso fazer escolhas e remanejamentos dentro de um espaço orçamentário bastante reduzido. Quando falta dinheiro, ou quando sobra e o teto de gastos se impõe, é preciso mexer na parcela das despesas discricionárias, que envolvem desde faturas de energia e contratos de limpeza de Ministérios a investimentos públicos, além das famosas emendas de relator.

Em tempos normais, o Executivo federal inicia o ano com contingenciamentos mais rígidos e libera recursos aos poucos, ao longo dos meses. O governo Bolsonaro, no entanto, não teve nada de normal. Em ano eleitoral, os cortes no Orçamento sempre foram menores do que as estimativas calculadas e recomendadas pelos técnicos, e o detalhamento dos bloqueios chegou a ser omitido durante a campanha, justamente porque eles alcançavam as emendas de relator.

O resultado é que o País chega ao fim de 2022 em uma situação crítica generalizada. Nos casos mais anacrônicos, a Polícia Federal teve de paralisar a emissão de passaportes, enquanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sugeriu a suspensão do trabalho presencial por falta de recursos para manter suas operações. Esse cenário expõe algo óbvio: não há mais despesas discricionárias a serem cortadas nos Ministérios, razão pela qual a tesourada se deu nas controversas emendas de relator.

Não se trata de mero acidente de percurso, e é bastante crível que haja um componente de revanchismo no mais recente corte orçamentário. Seja por escolha, seja por omissão, é inegável que o conjunto da obra do Orçamento é um retrato das péssimas escolhas de Bolsonaro ao longo deste ano.

É até irônico que somente a derrota eleitoral tenha sido capaz de impor ao presidente um nível de responsabilidade que ele sempre se recusou a assumir. Ao determinar a suspensão do pagamento das emendas de relator a 30 dias de deixar o cargo, Bolsonaro, que nunca desceu do palanque e sempre se recusou a agir como presidente, finalmente governou.

Fonte: Estadão