Dr. Valrian Feitosa

Dr. Valrian Feitosa
Médico cirurgião cardiovascular e cirurgião geral. Formado em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande (PB) com residências em Angiologia e Cirurgia Vascular pela Escola de Saúde Pública do Ceará e em cirurgia gerel pela UFPI

Passado, presente e futuro incerto

Chamou me atenção uma senhora morena, esguia, alta de voz rouca já fraca pela idade, uma jovem senhora de 75 anos. Estava ela em cima de uma maca dura, fria, injusta e degradante como dezenas de outras que se equilibrava com outras mais nos corredores de um hospital .

Chamou me atenção pela sua paciência, serenidade ao dizer que tinha muitos netos e que eu me parecia com um deles. Reportei me imediatamente a minha adolescência  quando  eu ainda tinha minha avó  lúcida com meu avô. Lembranças saudosas de um tempo que sempre as pessoas olhavam os mais velhos com o respeito devido e até certo medo daquela barba, cabelos grizalhos e rugas na testa. Marcas do tempo que nos fazem refletir .

Chamou me atenção a resignação, a falta absoluta de revolta mesmo estando em situação deploravel, desrespeitosa  de ser tratada com desdém, humilhada naquela situação , desprotegida, em local distante, longe dos seus filhos e netos. Ela apenas falava é assim mesmo é a vontade de DEUS ...

A  senhora possui diabetes tipo 2, hipertensa, doença vascular obstrutiva periférica e ex fumante, tal combinação mortífera fez com que a mesma viajasse da cidade de São João do Piaui  no sul do estado. Atravessar o estado quase todo em busca de atendimento, pois cerca de um mês após a labuta do dia a dia na roça um espinho a espetou e desde então se iniciou um processo infeccioso no seu pé direito que resulta em dores insuportáveis. Difícil, segundo ela, foi ter que deixar o seu velhinho que já está condenado á uma rede após um AVC .

Chamou me atenção o estado das coisas que não andam, permanece  tudo como está, a mesma se encontra na mesma maca dura, suja, indigna  após uma semana. Ela precisara fazer exames e ser submetida a cirurgia de alta complexidade em outro hospital.

Chamou me atenção como permanece a insensibilidade dos gestores das esferas federal, estadual, municipal.  A inobservância simples que está na constituição brasileira que a saúde é um dever do estado e direito de todo cidadão. Ela atravessou uma distância continental para padrões europeus dentro de uma ambulância , por falta em sua região de uma medicina básica decente e de um hospital regional como qualquer outro estado da federação brasileira a citar o Ceará, Paraíba, Pernambuco, posso dizer pois já morei em todos eles e conheço de perto a realidade de todos .

Chamou me atenção também a inércia, a plumagem maquiada  das propagandas oficiais  dos governos. A  mídia aberta, laranja superficial feliz no Piaui maravilha. Um Ministério Público pouco atuante que  não alcança os anseios de uma sociedade, mas apenas que defende situações pontuais dos que lá procuram.  Uma população resignada jogada a própria sorte desconhecedora dos seus direitos fundamentais, a de acesso a saúde.  E por fim, a  - Classe Médica, que ao longo do tempo se sujeita a trabalhar em hospitais cada vez piores,  ver nossos pacientes ser maltratados, malcuidados. Somos também culpados.

Chama me atenção como sei que essa pobre senhora que poderia ser minha avó terá sim seu problema resolvido após longos e intermináveis  dias e noites de sofrimento na maca do hospital.  A verdade é que ela e tantos outros passam por tal privação, por se tratar de mais um pobre sem voz e vez, mas que terá seu valor quem sabe nas eleições para  prefeito de sua cidade ou  governador.  Ela receberá como promessa  uma prótese para sua perna que certamente ela a  perderá.